2ª parte Cena 4 |
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Um aluno |
[IV - O Mostrengo]
O mostrengo que está no fim do mar Na noite de breu ergueu-se a voar; A roda da nau voou três vezes, Voou três vezes a chiar, E disse: «Quem é que ousou entrar Nas minhas cavernas que não desvendo, Meus tectos negros do fim do mundo?» E o homem do leme disse, tremendo: «El-Rei D. João Segundo!»
«De quem são as velas onde me roço? De quem as quilhas que vejo e ouço?» Disse o mostrengo, e rodou três vezes, Três vezes rodou imundo e grosso. «Quem vem poder o que só eu posso, Que moro onde nunca ninguém me visse E escorro os medos do mar sem fundo?» E o homem do leme tremeu, e disse: «El-Rei D. João Segundo!»
Três vezes do leme as mãos ergueu, Três vezes ao leme as reprendeu, E disse no fim de tremer três vezes: «Aqui ao leme sou mais do que eu: Sou um povo que quer o mar que é teu; E mais que o mostrengo, que me a alma teme E roda nas trevas do fim do mundo, Manda a vontade, que me ata ao leme, De El-Rei D. João Segundo!»
Fernando Pessoa In Mensagem |
Entrevistadora nº2 |
E já estamos de regresso. D. Afonso V tinha-nos dito que não havia ninguém melhor do que o seu filho para nos falar do estado em que seu pai deixou as finanças. (Dirige-se para D. João II) Vossa Majestade, diga-nos, por favor, qual era a situação financeira do país na altura em que subiu ao trono... |
D. João II |
(Pouco satisfeito) Ah sim?! (Cruzando as mãos) A situação financeira não era a mais favorável. Posso dizer que meu pai só me deixou rei das estradas de Portugal, tal era a situação de (silabando) pe-nú-ri-a da coroa. Foi uma pena, (vira-se para o pai) meu pai, ter-se afastado de meu avô D. Pedro e ter caído nas mãos do Conde de Barcelos e Duque de Bragança. O meu avô era uma verdadeiro homem de Estado. O poeta Fernando Pessoa escreveu que ele era: “Claro em pensar, e claro no sentir, e claro no querer”. D. Pedro foi a minha maior influência! |
Entrevistadora nº1 |
A perseguição (sublinha) impiedosa que Vossa Alteza moveu aos Bragança e a outros pode entender-se como a sua resposta às conspirações de D. Afonso para afastar o seu avô Pedro da regência do reino? |
D. João II |
(Ofendido) Minha senhora, não se trata de perseguição mas de uma visão política diferente. Meras divergências de opinião… muito democráticas, aliás... O rei deve destacar-se como o único centro de poder. Quando assumi o trono tive de restabelecer o prestígio da coroa e limitar os privilégios de muitos nobres. Era preciso fortalecer o poder real que o meu pai desbaratou e reverter para a coroa os bens que doou. Claro que esta situação não lhes agradava e, por isso, alguns nobres como os duques de Bragança e de Viseu manifestaram grande hostilidade e conspiraram contra mim para me afastarem do trono. (Irónico) Impiedosamente... |
Entrevistadora nº2 |
Vossa majestade ficou também conhecido pelo impulso que deu à Expansão, definindo a empresa ultramarina e a chegada à Índia como objetivos de interesse nacional. Que navegadores mereceram o seu reconhecimento para pôr em prática esse plano? |
D. João II |
Destaco, sobretudo, dois GRANDES navegadores, que fizeram as viagens por mar: Diogo Cão e Bartolomeu Dias. As boas referências que tinha de Diogo Cão e dos préstimos da sua família levaram-me a escolhê-lo para dar continuidade aos descobrimentos que estavam quase parados,... como este país... Bartolomeu Dias pertencia também a uma família de experientes navegadores. Foram estes dois navegadores que escolhi para capitães das armadas nesta nova fase das navegações controladas pela Coroa. |
Entrevistadora nº1 |
Antes de passar a palavra a esses dois navegadores, gostava ainda de o ouvir sobre outro tema: A política de sigilo nos descobrimentos. Por que razão foi necessário manter segredo sobre as viagens realizadas? |
D. João II |
(Começando baixinho e voltando ao tom normal a pouco e pouco) O segredo justificava-se devido à forte concorrência relativamente à expansão. O objetivo era esconder de Castela, dos Reis Católicos, os conhecimentos e as estratégias a seguir na descoberta do caminho marítimo para a Índia. |
Entrevistadora nº2 |
(Dirigindo-se a Diogo Cão) O senhor foi o primeiro dos navegadores da fase joanina da expansão. Ficou conhecido por ter levantado os primeiros padrões de pedra em várias zonas da costa africana para assinalar a posse dos territórios para a coroa portuguesa. Pelos seus feitos é citado em diversas obras literárias, como n´Os Lusíadas, de Luís de Camões ou no poema «Padrão», da obra Mensagem de Fernando Pessoa. É também personagem no romance As Naus, de António Lobo Antunes. Tem vossa senhoria, por acaso, conhecimento de algum deles? |
Diogo Cão
Coro de alunos |
(Arrogante) O que é que acha?!... (Declama a primeira estrofe)
O esforço é grande e o homem é pequeno Cena 5
Eu, Diogo Cão, navegador, deixei Este padrão ao pé do areal moreno E para diante naveguei.
A alma é divina e a obra é imperfeita. Este padrão sinala ao vento e aos céus Que, da obra ousada, é minha a parte feita: O por-fazer é só com Deus.
E ao imenso e possível oceano Ensinam estas Quinas , que aqui vês, Que o mar com fim será grego ou romano: O mar sem fim é português.
E a cruz ao alto diz que o que me há na alma E faz a febre em mim de navegar Só encontrará de Deus na eterna calma O porto sempre por achar. (Fernando Pessoa, “Padrão” in Mensagem ) |
Entrevistadora nº1 |
Ilustre navegador, as informações que nos chegaram sobre vós e sobre as vossas viagens são escassas e ambíguas. Vários cronistas referem-se a elas, mas não são coincidentes quanto ao número de viagens realizadas. Quantas viagens comandastes ao serviço de D. João II ? |
Diogo Cão
Os outros navegadores
Diogo Cão |
(Como se ladrasse) Bem! Já se passou tanto tempo que estou um pouco esquecido. Fiz muitas, mas talvez duas tenham sido as mais importantes, como capitão. Uma por volta de 1482 e outra, talvez, em 1485 ou 86. Na primeira viagem, fizemos escala em S. Jorge da Mina e, depois de muitos meses a navegar, chegámos a um rio que tinha uma embocadura muito larga, a que davam o nome de rio Congo. Na margem esquerda do rio, ergui um padrão de pedra - o padrão de S. Jorge - para assinalar a presença portuguesa. Aqui ouvi falar dum rei mui poderoso do Congo e enviei alguns emissários para entrarem em contato com ele. E enquanto eles partiram à procura do rei, o resto da tripulação continuou a navegar para sul e chegámos ao cabo do (como se ladrasse novamente) Lobo (que depois chamaram cabo de Sta. Maria), onde ergui outro padrão dedicado a Santo Agostinho. Depois, navegámos ainda um pouco mais até ao cabo de Santa Marta e depois voltámos para trás (sorrindo) e deixámos de dar nomes de santos a pedras... (Sério) Muitos marinheiros estavam doentes, sofriam de escorbuto… Muitos bochechavam com chichi…
Que nojo!
... já havia poucos mantimentos e pensámos que tínhamos tocado o extremo sul de África. Quando regressámos à foz do Congo, para embarcar os emissários que tínhamos mandado ao rei, verificámos que estes não tinham voltado. Então capturámos alguns negros e trouxemo-los, como reféns, para Lisboa (em Abril de 1484). Na segunda viagem devemos ter atingido a Serra Parda e erguemos mais dois padrões (um no cabo Negro,outro no cabo do Padrão) Nesta viagem devolvemos os reféns e começámos a explorar o Rio Congo que, de acordo com o mapa de Fra Mauro, dividia a África Austral do resto do continente e desembocava no Índico. A certa altura fomos por terra até à capital do Congo e assinámos uma aliança com o rei. Depois continuámos a exploração do rio até às cataratas de Ielála, e aqui soubemos que não o podíamos subir mais por causa das cachoeiras. Como não conseguíamos chegar ao indico através do rio, desistimos e continuámos a navegar pelo oceano
Quando passámos o Cabo de Santa Marta, apanhámos uma grande desilusão. Verificámos que a África não acabava ali e continuava para sul. (Cansado) Não há por aí um copinho de água?! Isto cansa... |
Entrevistadora nº2 |
Está vossa mercê a querer dizer que pensou ter atingido o limite sul de África na 1ª viagem que fez e só se apercebeu do engano na 2ª expedição? |
Diogo Cão |
(Embaraçado) Sim, foi uma grande deceção. A desembocadura daquele rio era tão larga que, a princípio, nem pensámos nisso... |
Entrevistadora nº1 |
Sabemos que depois da primeira viagem como capitão da armada, vossa Mercê foi agraciado por D. João II com o título de cavaleiro, com um brasão e uma tença anual. Sabemos também que depois da 2ª expedição deixou de haver referência a vós nos documentos da época. A que se ficou a dever este silêncio? |
Diogo Cão |
Ó rica donzela, eu já tenho muita idade, sabe? Agora dizem que quem tem muita idade tem al.. al… al...zheimer. Parece! Eu não sei se não deram notícias de mim por ter caído em desgraça junto do rei ou se foi por ter tombado para sempre ainda na viagem. Eu já não não tenho memória! Já não sei em que era nasci ou morri. Se os homens que escreviam não escreveram, como querem saber as coisas? Vocês pensam que (apontando para o público) estes alunos também escrevem tudo o que os professores dizem? E nem vale a pena falar daquilo que eles conseguem ouvir... |
Entrevistadora nº2 |
O desejo de atingir a Índia leva D. João II a organizar uma nova armada assim que a expedição de Diogo Cão chegou a Portugal. O comando foi entregue ao navegador Bartolomeu Dias. (dirige-se para Bartolomeu Dias) Que preparação tínheis para serdes escolhido para este cargo e como era constituída a frota que comandáveis em 1487? |
Bartolomeu Dias |
Bem, muita da preparação que tínhamos era adquirida com a prática, através das muitas viagens que fiz. Servi, durante algum tempo, na fortaleza de São Jorge da Mina; fui capitão de um navio numa expedição ao Golfo da Guiné, estava também habilitado a usar o astrolábio, a determinar as coordenadas de um local e a enfrentar tempestades e calmarias. Quanto à armada que agora comandava, era formada por duas caravelas, a São Cristóvão, comandada por mim, a São Pantaleão e uma naveta de mantimentos. Era uma pequena frota! |
Entrevistadora nº1 |
Curiosamente, parece que para além da tripulação formada por portugueses viajavam também dois negros do Congo e quatro negras da Guiné capturados por Diogo Cão. Com que finalidade embarcaram estes negros? Serviam de intérpretes? (Curiosa) E as negras?! |
Bartolomeu Dias |
(Malicioso) Não, a finalidade era outra. El-rei D. João II era um homem inteligente . Esses negros estavam bem alimentados e bem vestidos, e levavam mostras de prata e ouro e especiarias. O objetivo era serem largados na costa de África para impressionar e darem notícia às populações daquelas regiões da grandeza de Portugal e ao mesmo tempo recolherem informações sobre o reino do Preste João. |
Entrevistadora nº2 |
Sobre a viagem que Bartolomeu Dias realizou pouco se sabe. Não existe nenhum diário de bordo e os registos são escassos... Um dos poucos documentos que revela pormenores da viagem é a obra de João de Barros, Décadas da Ásia, que recorre a alguma imaginação, parece-me... Vossa mercê lembra-se ainda da viagem que realizou? Quer relatar-nos algum episódio? |
Bartolomeu Dias |
(Cansado) Vou tentar... Vou tentar! A armada partiu em Agosto de 1487, fizemos escala em São Jorge da Mina para abastecimento e depois seguimos a rota de Diogo Cão. No percurso fomos desembarcando alguns negros em vários pontos da costa que levavam instruções precisas. Em dezembro, devemos ter atingido o ponto mais a sul alcançado por Diogo Cão, a serra Parda, na costa da atual Namíbia. Continuámos para sul e chegámos à Angra das Voltas, onde ergui o padrão de Santiago. A partir daqui os ventos de sueste obrigaram-nos a afastar da costa e tivemos de navegar em alto mar durante vários dias. Quando tentámos aproximar-nos da costa rumámos para leste mas não avistámos terra. Então, decidi rumar para Norte e fomos dar a uma zona onde havia gado e pastores a que demos o nome de Angra dos Vaqueiros (ou Angra de S. Brás, mais um santo!). Só nesta altura é que nos apercebemos que já tínhamos dobrado a África e estávamos na costa oriental, já no Índico. Ainda avançámos até ao rio do Infante, onde ergui o padrão de S. Gregório. Mas, a partir daqui os navegadores não quiseram avançar mais. Na viagem de regresso, navegámos junto à costa e explorámos alguns pontos, como o Cabo das Agulhas e o Cabo das Tormentas, onde ergui o padrão de São Filipe. |
Entrevistadora nº1 |
Então quanto tempo demorou a viagem? |
Bartolomeu Dias |
Cerca de dezasseis meses e meio. Embarcámos em Agosto de 1487 e chegámos a Lisboa em Dezembro de 1488. É fazer as contas, como dizia aquele senhor... |
Entrevistadora nº2 |
Que importância foi atribuída à sua viagem naquela época? |
Bartolomeu Dias |
Uma grande importância, senhora! Nós fomos responsáveis por uma das maiores revoluções geográficas do século XV. Os europeus estavam convencidos de que os Oceanos Atlântico e Índico não tinham ligação e que a África se prolongava até ao Polo Sul. Nós provámos que a geografia de Ptolomeu estava errada. A nova carta geográfica de Henricus (faz menção de usar um martelo) Martelus Germanus de 1489 é a primeira a incluir as informações recolhidas nas viagens de Diogo Cão e na minha, claro. D. João II ficou também a saber que as caravelas não aguentavam aqueles mares tempestuosos, e era necessário construir barcos mais resistentes . Foi também com base na minha viagem que el-rei recusou a proposta de Colombo, (aparte) esse vendido, de atingir a Índia pelo Ocidente. Além disso, a minha viagem foi muito importante porque abriu uma nova rota. Sabem qual é o nome da rota ?… (Aguarda que o público responda e diz:) , a rota do Cabo. |
Entrevistadora nº1 |
Terá sido essa a razão da mudança do nome de cabo das Tormentas para cabo da Boa Esperança? |
D. João II
Bartolomeu Dias |
(D. João II abana afirmativamente a cabeça)
(Olha para o rei D. João II) Sim. D. João II viu que a passagem do Cabo das Tormentas abria as portas da Índia e do comércio das especiarias. Por isso, mudou o nome para cabo da Boa Esperança, que é um nome muito mais giro até... |
Entrevistadora nº2
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Sabemos que depois desta viagem terá participado ainda em duas outras armadas importantes: a de Vasco da Gama e a de Pedro Álvares Cabral. Mas esta vossa viagem até ao extremo sul de África foi sem dúvida um marco histórico notável. A nível literário, o seu feito foi imortalizado por dois dos maiores poetas portugueses. Camões, em Os Lusíadas, e Fernando Pessoa que escreveu um epitáfio em sua homenagem, no qual resume a vida heroica, a morte exemplar e a mensagem para a posteridade do mito “Bartolomeu Dias”. Vamos ouvir as palavras de Fernando Pessoa, aqui pelo nosso coro: |
Aluno(s) |
Cena 6
JAZ AQUI, na pequena praia extrema, O Capitão do Fim. Dobrado o Assombro, O mar é o mesmo: já ninguém o tema! Atlas, mostra alto o mundo no seu ombro.
Fernando Pessoa. O Capitão do Fim, in Mensagem. |
Entrevistadora nº1 |
A viagem de Bartolomeu Dias foi depois continuada por Vasco da Gama já no reinado de D. Manuel (e na qual este notável marinheiro também participou). (Dirige-se para D. Manuel) El-rei D. Manuel, Vossa Alteza recebeu o trono exatamente no momento em que o país se preparava para atingir grande projeção internacional. Poderemos dizer que há horas felizes!? |
D. Manuel I |
Sim, há horas felizes! De facto, o poder veio parar às minhas mãos de forma (pausa) inesperada em 1495. E nem sequer tive que andar para aí a negociar como aconteceu com o Senhor da Costa! O herdeiro do trono era D. Afonso, mas foi vítima, infeliz, de um acidente e quando o meu primo e cunhado (aponta para D. João II) também faleceu, de causas nunca verdadeiramente apuradas, fui aclamado rei. (Conformado) Teve de ser... Mas também quero dizer que, apesar de ter sido cognominado O Venturoso, ou O Felicíssimo, nos 26 anos do meu reinado foram feitas várias reformas na administração pública e no ensino (aparte) (até parece 2016…), promovi o desenvolvimento das artes e continuei o projeto de D. João II de chegar à Índia. |
Entrevistadora nº2 |
Vossa majestade referiu ter desenvolvido as artes. Estava certamente a pensar no estilo Manuelino!? |
D. Manuel I |
Sim, um estilo com características únicas e bem portuguesas! Com motivos decorativos ligados aos descobrimentos e a símbolos nacionais… Sabe, eu sempre tive uma obsessão pela arquitetura e promovi o seu desenvolvimento, aproveitando a riqueza obtida com o comércio! |
Entrevistadora nº1 |
Foi uma grande dádiva aquilo que nos deixou majestade! O mosteiro dos Jerónimos, a Torre de Belém ou a Janela do Convento de Cristo em Tomar falam por si! |
D. Manuel I |
(Orgulhoso) É sempre bom saber que apreciam o nosso trabalho! (Triste) Pena só ter ficado uma janela… aquilo era tão grande... |
Entrevistadora nº2 |
O projeto de chegar à Índia por mar traçado por seu primo não foi um projeto pacífico. Sabemos que a maior parte dos conselheiros da Coroa, os chamados“Velhos do Restelo” como escreveu Camões, se opôs a esta ideia por ser considerada ousada e despesista, mas Vossa majestade decidiu levá-lo a cabo. Que medidas tomou para o concretizar? |
D. Manuel I |
Logo que assumi o trono entreguei o estudo do projeto ao astrónomo real Abrãao Zacuto, que se mostrou favorável. Depois ordenei que se concluíssem os navios que já tinham sido começados no tempo de D. João II e esta tarefa entreguei-a a Bartolomeu Dias… qual despesismo? Eu limitei-me a terminar o projeto (em voz baixa) e a colher os louros... |
Entrevistadora nº 1 |
Sim, ouvimos há pouco o navegador Bartolomeu Dias dizer que as caravelas já seriam barcos pouco adequados à navegação no Atlântico sul. Mas, que tipo de navios eram esses? |
D. Manuel I |
(Baixo) Não sabe mesmo nada… Esses navios eram as naus... Eram embarcações maiores e de construção mais forte. Mas, talvez Bartolomeu Dias me possa dar aqui alguma ajuda! Eu, é mais coches... |
Bartolomeu Dias |
(Suspira, enfadado) Com certeza, majestade. (Vai mimando as características das embarcações) As naus eram maiores e usavam velas quadrangulares nos dois mastros principais em vez das velas triangulares. Só o mastro da popa levava uma vela latina. As naus eram acasteladas na ré e à vante, para, em caso de guerra, a tripulação se abrigar nos castelos. Tinham também a borda mais alta que as caravelas porque os ventos e as correntes da zona do cabo da Boa Esperança assim o exigiam. A melhor tecnologia da época, ecológica e sem fazer batota... |
Entrevistadora nº2 |
Sabemos que depois da viagem à Índia, vossa majestade assumiu um novo título! |
D. Manuel I |
(Vaidoso) Bem, como sabe os títulos dos monarcas iam-se acumulando de acordo com os factos históricos realizados. Eu, com a viagem de Vasco da Gama, assumi o título de: “Rei de Portugal e dos Algarves, d’Aquém e d’Além-Mar em África, Senhor do Comércio, da Conquista e da Navegação da Arábia, Pérsia e Índia” |
Entrevistadora nº1 |
(Dirige-se para Vasco da Gama) Dom Vasco da Gama, El-rei D. Manuel nomeou-o capitão da frota que em 1497 partiu com destino à Índia. Quanto tempo demorou a sua viagem? |
Vasco da Gama |
(Não ouve bem, põe a mão na orelha para ouvir melhor e diz) Era preciso muita coragem, muita coragem! |
Entrevistadora nº1 |
Sim, vossa mercê tinha muita coragem… Mas, (grita) quanto tempo demorou a viagem? |
Vasco da Gama |
Ah! Muito tempo, bela donzela! Muito tempo! Para uma viagem tão longa, eram necessários dois anos. Um ano para a ida e outro ano para a volta. |
Entrevistadora nº2 |
Há um ditado popular que diz “quem vai para o mar avia-se em terra” Pergunto:
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Vasco da Gama |
O quê!? Quer saber onde mijavam? |
Entrevistadora nº2 |
Não… (Gritando) Eu perguntei que alimentos levavam? |
Vasco da Gama |
Ah! Levávamos, sobretudo, alimentos que resistissem ao tempo e ao calor, como biscoitos, peixe seco e carnes salgadas. Nestas viagens havia a nau dos mantimentos que era carregada com toneladas destes produtos e com barricas de vinho e de água. Depois íamos parando para distribuir os alimentos, para mudar a água e abastecer-nos de mais alguns produtos, em determinados pontos da costa. Eram as chamadas aguadas. As outras três embarcações levavam sempre alguns produtos, para as necessidades semanais ou mensais. Como a tripulação rondava os 100 a 150 homens… contando com os capitães, mestres, pilotos, escrivães, marinheiros, soldados, carpinteiros, cordoeiros, sacerdotes, intérpretes, corneteiros, prisioneiros... tínhamos que levar muitos alimentos. Mas a alimentação era sempre um problema porque como não tínhamos alimentos frescos, havia muitos marinheiros que apanhavam escorbuto e acabavam por morrer. |
Entrevistadora nº1 |
Para além do escorbuto, que outras dificuldades tiveram de enfrentar nessa longa viagem? |
Vasco da Gama |
Bem, até ao cabo da Boa Esperança fomos seguindo as rotas dos outros capitães. A partir daqui tudo era novidade. Por isso, na costa oriental de África fizemos uma navegação costeira e fomos parando em vários portos com nomes estranhos: Inhambane, Quelimane, Moçambique, Mombaça e Melinde. As populações locais muçulmanas reagiam à nossa presença com desconfiança. Alguns atacaram-nos e maltrataram-nos, outros receberam-nos bem. O imperador de Melinde foi o que nos recebeu melhor, porque queria a nossa ajuda para enfrentar os vizinhos de Mombaça. Até nos ofereceu um piloto que nos guiou até Calecut. Era o dia 20 de maio de 1498, quando chegámos ao porto de Calecut. Lembro-me perfeitamente! Que grande receção nos fez o Samorim! Mas foi tão breve a nossa felicidade. |
Entrevistadora nº2 |
Breve felicidade? |
Vasco da Gama |
O quê? A menina quer saber a minha idade? Eu já sou um homem muito velho. |
Entrevistadora nº2 |
Não! (Diz em tom alto) Eu queria saber por que razão é que a vossa felicidade foi breve? |
Vasco da Gama |
Ora, porque a cordialidade do Samorim acabou rapidamente e as negociações tornaram-se difíceis. Bem me esforcei para conseguir condições favoráveis para o comércio, mas as grandes diferenças culturais e o baixo valor das nossas ofertas tornaram as negociações muito complicadas. O Samorim queria ouro e prata e nós levámos tecidos, chapéus, coral, açúcar, azeite e mel. Os nossos presentes não impressionaram ninguém, antes pelo contrário, foram motivo de escárnio. Além disso, os muçulmanos que dominavam o comércio naquelas paragens não viam com bons olhos a concorrência dos portugueses que, para agravar, não sequer tinham a religião deles. Para conseguirmos comprar algumas especiarias e joias para trazer para o reino tivemos que vender as nossas mercadorias a uns preços miseráveis. Só pela força é que nos conseguiríamos impor no Oriente! |
Entrevistadora nº 1
Entrevistadora nº 2 |
A vossa viagem foi narrada por Luís de Camões na obra Os Lusíadas, que desta forma a tornou imortal. (Aparte) Tão imortal que não há criancinha de 9º ano que não gostasse de não a conhecer...
Perante a hostilidade manifestada pelos muçulmanos, D. Manuel enviou ao Oriente uma nova armada, esta muito mais poderosa que a primeira. Qual era objetivo desta nova viagem, El-rei D. Manuel? |
D. Manuel I |
Em primeiro lugar pretendíamos demonstrar o poderio militar de Portugal. Por outro lado, esta armada também deveria servir de suporte ao estabelecimento de uma feitoria em Calecut, porque o que nós queríamos verdadeiramente era comerciar as especiarias e estabelecer relações comerciais na Índia. Mas para isso, era importante estabelecer alianças com vários soberanos locais. |
Entrevistadora nº1 |
(Dirige-se para Pedro Álvares Cabral). Pedro Álvares Cabral, vossa mercê foi o navegador escolhido por D. Manuel para concretizar este objetivo. Como era constituída a frota que comandáveis? |
Pedro Álvares Cabral |
A nossa frota tinha 13 navios. 9 naus, 3 caravelas e 1 naveta de mantimentos. As naus estavam equipadas com artilharia para dissuadir eventuais resistências. A esquadra transportava entre 1200 e 1500 homens, incluindo a tripulação, a gente de guerra, o feitor, os agentes comerciais e escrivães, o cosmógrafo mestre João, um vigário e oito sacerdotes, oito franciscanos, os intérpretes, os indianos que tinham sido levados para Lisboa por Vasco da Gama e alguns degredados. |
Entrevistadora nº2 |
Sabemos que a armada que vossa mercê comandava saiu de Lisboa a 9 de Março de 1500 com destino à Índia, mas a determinada altura desviou-se da rota traçada pelos anteriores navegadores. A que ficou a dever-se este desvio? Estava programado ou foi meramente acidental? |
Pedro Álvares Cabral |
Bem, seguimos a rota habitual até Cabo Verde, onde estava previsto fazermos a aguada. Mas tal não aconteceu porque nos apercebemos que tinha desaparecido a nau do capitão Vasco de Ataíde. Procurámo-la mas não havia maneira de a encontrarmos. É provável que tenha naufragado devido à má visibilidade provocada pelo nevoeiro e pelas nuvens de poeira que vêm da costa saariana. Rumámos então para oeste e um mês depois, no dia 22 de Abril, avistámos algumas aves e depois vimos um grande monte a que chamei “Monte Pascoal”, porque era Páscoa, (muito original, acho!) e àquela terra dei o nome de “Terra de Vera Cruz”, mas aqui já estava sem ideias... Agora, se me pergunta se este desvio foi programado ou não, já se passou muito tempo e a memória já me falha muitas vezes (baixa o tom de voz) mas… talvez tenha partido de uma sugestão muito reservada que El-rei D. Manuel me fez. O que interessa é que descobri (em tom baixo) ou achei, isso agora não interessa nada, o Brasil! |
Entrevistadora nº1 |
Terá sido esse o motivo que o levou a mandar o capitão Gaspar de Lemos de volta a Portugal para dar conhecimento ao rei sobre o achamento da Terra e Vera Cruz? Aquilo que ele já suspeitava... |
D. Manuel I e Pedro Álvares Cabral |
(Ambos acenam a cabeça em sinal de concordância) Dahh! Ouça! O que é que acha!? |
Entrevistadora nº1 |
Muito bem! Gaspar de Lemos, na viagem de retorno a Lisboa, efetuou um reconhecimento do litoral entre Porto Seguro e o cabo de São Jorge, o que lhe permitiu obter a confirmação de que se tratava de um continente. Já em Lisboa entregou ao rei papagaios, arcos, flechas e outros objetos fornecidos pelos índios tupiniquins, bem como cartas dos capitães, do feitor, do cosmógrafo e do escrivão Pero Vaz de Caminha sobre o "achamento da terra nova". O rei decidiu manter segredo sobre o assunto até obter informação sobre os limites. Capitão Cabral, que relato nos faz da nova terra e dos seus habitantes? |
Pedro Álvares Cabral |
Aquela terra quase se podia chamar “Terra dos Papagaios”, tal era a abundância deles. Havia também macacos e muitas árvores. E se fosse só lá... Os habitantes eram muito diferentes de nós. Os homens tinham feições avermelhadas. Muitos andavam pintados de preto e vermelho e com penas coloridas na cabeça. Tinham os beiços perfurados com ossos. As mulheres andavam com suas (pigarreia) vergonhas tão nuas e com tanta inocência que não havia qualquer maldade. Algumas também andavam pintadas. Quando lhe demos a provar da nossa comida, como pão, peixe cozido, mel figos, comeram muito pouco e cuspiram logo o vinho. Ah, e fugiram quando viram uma galinha, imagine! Era um mundo muito diferente do nosso! Não conheciam nem a agricultura nem a vida sedentária. Viviam da caça, da pesca e dos recursos da floresta. |
Entrevistadora nº 1
Entrevistadora nº 2 |
Decerto! Mas apesar dos seus habitantes viverem num estádio de desenvolvimento inferior ao nosso, o Brasil ainda nos haveria de dar muitas alegrias, sobretudo com a descoberta do ouro e dos diamantes. Com todos os outros territórios entretanto conquistados, Portugal tornou-se um império que durou até ao século XX e que perdura hoje através da nossa língua, falada em todos os continentes, por mais de 240 milhões de pessoas.
Esta entrevista já vai longa e o tempo de satélite está a esgotar-se. Resta-nos agradecer aos nossos ilustres convidados a entrevista que nos concederam e dizer-vos que todo o vosso trabalho e as tormentas passadas valeram a pena! Peço aos nossos assistentes que ajudem os convidados a dirigirem-se para o reino de S. Pedro. Muito obrigado a todos e até para a semana, com mais uma entrevista histórica aqui no Canal Josefa TV. |
D. João II |
A donzela vai desculpar, mas eu não saio daqui! |
D. Manuel I |
Então se o meu primo não sai, eu também não saio! |
D. Afonso V |
Naquele reino não se faz nada, o que vamos para lá fazer?! Queremos ficar na Josefa para novas conquistas! |
Restantes monarcas e navegadores |
(Todos falam ao mesmo tempo e de forma desencontrada. Levantam as bengalas enquanto falam) Não nos vamos daqui embora! Queremos a Josefa! Queremos a Josefa! Daqui ninguém sai! |
Entrevistadora nº1 |
Meus senhores é preciso ordem! Estamos ainda em direto! Chamem o senhor Diretor! |
Entrevistadora nº2 |
(Suplicando) Por favor, saiam daqui!... |
Josefa de Óbidos |
Cena 7 (Entra, lentamente, com um ar rígido e severo, olhando para a confusão. Os outros nem se apercebem da sua presença.) (Grita) Mas o que é que se passa aqui?! Já não se pode pintar em paz?! Já para o SEI e sem conversa! Ou tenho de me chatear?! (voltando-se para o público) E vocês vão a seguir... (Muito assustados saem todos, as luzes diminuem e/ou cai o pano.)
(O refrão da música dos Da Vinci, Conquistador, pode ser apropriada para um final mais divertido, convidando o público a participar)
FIM |